26 setembro 2012

Nossos Tons - Artigos e Notícias do Mundo Gay: O Governo espanhol impede que seus consulados real...

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Salário-maternidade para casal homossexual já é realidade | UIPI – Notícias, entretenimento,cinema, esporte e vídeos

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Blog do Cebes

Transhomens – o direito de ser diferente
Publicado em: 27/08/2012 12:54:00
Transhomens – o direito de ser diferente João W. Nery
Segundo o que foi veiculado na mídia, sou o primeiro transhomem operado no Brasil: em 1977, em plena ditadura, quando as cirurgias ainda não eram permitidas pelo SUS, fiz as operações para readequar meu corpo, nascido biologicamente feminino, à minha identidade masculina.
Hoje estou com 62 anos e escrevi um livro autobiográfico, “Viagem Solitária – Memórias de um transexual 30 anos depois” (2011, Editora Leya), onde narro todo o trajeto da minha sexualidade, desde a infância até os dias atuais.
A última parte do livro é sobre a grata experiência de viver a paternidade (não biológica). Hoje, meu filho tem 25 anos, é engenheiro e heterossexual. O livro já ganhou dois prêmios e transcende a questão da transexualidade, falando de cidadania e direitos humanos.
A infância foi sofrida, mas consegui uma saída num mundo de faz de conta, através da fantasia. Durante um ano, na minha adolescência, pela pressão social e necessidade de aprovação, me “travesti” e tentei ser uma mulher. Arranjaram-me um namorado, mas nunca tive uma relação sexual com um homem. O meu desejo era de ter o corpo igual ao dele e não de me entregar a ele. Minha orientação sexual sempre foi hetero, no sentido de desejar as mulheres.
Desde os 22 anos eu já aparentava uma androginia e vivia uma dupla vida social, sendo homem para os desconhecidos e mulher no trabalho, amigos e família. Aos 27, consegui me operar clandestinamente, comecei a tomar hormônio (testosterona), mas não terminei as cirurgias. Como na época era impossível entrar na Justiça para uma mudança de nome e gênero, acabei tirando por minha conta um novo registro, com identidade masculina.
Com isso, perdi todo meu currículo escolar e profissional. Antes das cirurgias eu era formado em Psicologia, tinha consultório, dava aulas em três universidades e fazia mestrado. Como homem, virei um analfabeto, tendo que trabalhar como pedreiro, vendedor, pintor, massagista de shiatsu, enfim, em diversas profissões para poder subsistir, porém mais feliz e reconhecido.

O que continua sendo ainda o mais importante para @s “trans” (transhomens e transmulheres) é a questão da documentação, pois a cirurgia no Brasil não garante a automática mudança de identidade e gênero. É necessário que o interessado entre com um processo na Justiça, ficando à mercê do julgamento de algum juiz e de uma possível transfobia.

Acredito que seja o mundo patriarcal e sexista em que vivemos, o que faz com que as cirurgias se tornem obrigatórias e necessárias para diminuir o sofrimento do não enquadramento. Para isso, somos patologizados como doentes mentais, através da OMS, pelo DSM4, conhecida com o nome de “transtorno de identidade de gênero”.

Daí ser necessário um laudo psiquiátrico (sem critérios etiológicos), atestando que o indivíduo é um transexual “verdadeiro”. Exige que ele seja tenha 21 anos, se submeta durante dois anos a uma equipe interdisciplinar, para só então fazer a primeira cirurgia, que, no caso dos transhomens, é a “mamoplastia masculina”; a segunda é a “histerectomia” (= retirada dos órgãos reprodutores internos); a maioria para nesta etapa e não faz a “neofaloplastia”, ainda considerada experimental (mas só para os transexuais). Recentemente, tem sido utilizada mais uma nova técnica, a “metoidioplastia” (= soltura do clitóris, que já está aumentado pelo hormônio e com feitura do saco escrotal).

Os problemas emocionais que os transexuais apresentam são muito mais decorrentes da transfobia que sofrem do que da transexualidade em si. Não temos nenhuma autonomia para decidirmos o que queremos ser. Temos que representar, para acertarmos o “diagnóstico” que o terapeuta imagina ser um transtornado de gênero. E, apesar de ver a “cura” nas cirurgias, só nos oferecem quatro sedes do SUS no Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Goiânia). Acumulam-se filas enormes, sem dar assistência total, como financiar hormônios, próteses e eletrólises. Funcionam com equipes incompletas e também não atendem às travestis, obrigando-as ao mortífero silicone industrial.

De certa forma, já nascemos todos cirurgiados, desde quando nossos pais descobrem com qual corpo chegaremos ao mundo. A partir daí, o nome, roupas, brinquedos e condutas, terão que se submeter aos ditames do mundo da heterossexualidade compulsória. E assim, ao longo da vida, vamos passando por várias caixas: do útero, da família, da escola, do trabalho até o caixão. E se ousarmos sair delas, pagaremos o preço de sermos inferiores, abjetos ou mesmo invisíveis enquanto humanos, como é o caso dos “trans” e dos “intersexos” (= hermafroditas). Ponderamos, hoje, se é um pênis que faz um homem ou uma vagina que faz uma mulher (ver a situação do filme “A Pele que Habito” do cineasta Pedro Almodóvar).
Aliás, já em 1949, Simone de Beauvoir afirmava: “ninguém nasce mulher, torna-se mulher e Judith Butler completa em 1990, sugerindo que “mulher” é algo que “fazemos” mais do que algo que “somos”, é um processo que não tem origem nem fim. Sexo, gênero e sexualidade são construtos sociais, mas naturalizados por um olhar poluído de valores construídos social e historicamente.
Desde algumas décadas que o movimento “queer”, vem corroborar esta visão, onde as pessoas não querem se definir nem como homens nem como mulheres. O processo da formação das identidades sexuadas/”generificadas”/racializadas são construídas para nós e, em certa medida, por nós no interior das estruturas de poder existentes.
A própria concepção binarista “homem X mulher” foi construída a partir de meados do século XVIII. Até então, a mulher era considerada o avesso do homem, quer dizer, tendo o mesmo corpo que ele, apenas com os órgãos sexuais internalizados. Só depois é que inventam o dimorfismo, evidenciando cada vez mais a diferença entre os corpos-sexos, com propósitos sociais, econômicos e políticos, reafirmando o papel da mulher como reprodutora e pertencente ao domínio do privado e, desde sempre, inferior ao homem.

A hegemonia é resultado da cumplicidade dos dominados com os valores que os subalternizam. Por isso atentemos para o nosso comprometimento submetido a um poder, que não está só na esfera do Estado, mas em todas as instituições disciplinadoras e até mesmo dentro dos lares e de nós mesmos – que sofremos seu efeito e ao mesmo tempo, somos seu transmissor.
O poder cria normas e nos habitua a ver a diferença como algo que distingue as pessoas por categorias, em uma ordem hierárquica pré-definida. E o “diferente” está sempre aquém nesta escala. Mas é ele que tem o potencial para fragmentar, denunciar e mesmo transformar esta ordem hegemônica, na medida em que faz o Outro se descobrir como uma parte do diverso. É a anormalidade que vai patentear o reconhecimento do “normal”.
Mais que a necessidade do reconhecimento por direitos iguais, precisamos respeitar o direito de sermos diferentes, diversos.
Tatiana Lei
GRUPO SAMPA LGB
2/9/2012
12:24h
Queremos traze - lo para um bate papo, como podemos fazer isso? Somos do Grupo Sampa LGBT ( http://10ponto948.blogspot.com) e gostaríamos de conhecê -lo. abraços e Parabéns pela sua força!
Gabriel Teixeira
SJCDH do Estado da Bahia
31/8/2012
23:50h
Prezado Colega João Aqui uso colega expressando o meu respeito a sua formação qual PSICÓLOGO, isto é percebido no teu texto, pelo domínio que você apresenta ao falar de questões subjetivas e na condução de tais questões. Muito bom ter referências como as tuas, sobretudo para nós que atuamos com políticas públicas em Direitos Humanos. Parabéns pelo seu bom ânimo e por sua contribuição para a psicologia.
CLÁUDIA ONAIZER KIKI THEODORO
DONA DE CASA
29/8/2012
18:46h
QUERIDO JOÃO, SEMPRE LÚCIDO E COERENTE COM O QUE DIZ, DEUS SEMPRE ESCREVE CERTO POR LINHAS TORTAS... SABER QUE VOCÊ EXISTE DÁ-ME FORÇAS PARA CONTINUAR, E UMA SENSAÇÃO ESTRANHA E BENÉFICA DE ACONCHEGO E PROTEÇÃO. DE FATO, A DOCUMENTAÇÃO É O MAIS IMPORTANTE PARA O TRANSEXUAL:CONSEGUIR VENCER ESSA BARREIRA É PODER ALÇAR VOOS MAIS LONGOS, QUASE EM PAZ! CLÁUDIA - RIO DE JANEIRO.
Ligiana Costa
27/8/2012
23:40h
Incrível seu percurso e sua lucidez! Vou atras do livro! abraços do Causa (http://causasp.blogspot.com.br/) !!

22 setembro 2012

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Revista Trip
 
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Comportamento

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"NÃO É O PÊNIS QUE FAZ O HOMEM"

A primeira mulher a mudar de sexo no Brasil escreve sobre sua transformação
icone postado
17.09.2012 | Texto por João W. Nery*

Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal
João Nery em 2012
Sou considerado o primeiro transhomem a ser operado no Brasil em 1977, em plena ditadura, quando as cirurgias ainda não eram legalizadas e gratuitas como são hoje pelo SUS. Hoje estou com 62 anos. Tenho um filho não biológico, que criei desde que foi fecundado. Ele tem 25 anos e é engenheiro. Fui psicólogo, sexólogo, professor universitário e tive um consultório. Após a cirurgia, aos 27 anos, tive que tirar uma nova identidade – desta vez masculina - para me articular socialmente e poder trabalhar. Com isso, perdi meu currículo escolar, incluindo o diploma de psicólogo, e aos olhos da lei me tornei um analfabeto, tendo que batalhar como pedreiro, vendedor e motorista de táxi.
Embora tenha nascido num corpo de mulher, desde os quatro anos me identifiquei com o gênero masculino. A primeira cirurgia que fiz foi a retirada das mamas que elimina a necessidade de usar faixas para escondê-las. Pode-se assim vestir camisas colantes e ir à praia. A segunda foi a histerectomia (retirada do útero e ovários), que faz cessar a menstruação e a produção do estrogênio, o hormônio feminino. Para obter os caracteres sexuais secundários (barba, voz grossa, músculos e pelos), tomei testosterona. A neofaloplastia (feitura do pênis) eu não fiz, pois é considerada pela Organização Mundial da Saúde uma cirurgia experimental. Há técnicas mais modernas como a metoidioplastia, que consiste na soltura do clitóris (já aumentado pelos hormônios e com uso de bombas especiais), transformando-o num pênis pequeno, mas sem perder a sensibilidade.

"O gênero é uma invenção social, que muda com a cultura e o tempo. Não é na genitália que está a definição do nosso gênero"

Sou hétero, mas poderia ser homo, bi ou assexuado, como qualquer outra pessoa, pois a orientação sexual se relaciona com o desejo e a afetividade de cada um, independentemente de seu corpo. No caso dos transexuais e travestis, a identidade de gênero não corresponde ao corpo com que a pessoa nasceu. Como a nossa sociedade encara este estado como patológico, somos quase “obrigados” a nos operar, para nos fazermos inteligíveis como ser humano.
Fora da caixinhaA nossa cultura infelizmente só concebe o binarismo homem x mulher. Os pais, quando detectam o sexo do bebê, já escolhem o nome e o gênero que este deverá seguir: os brinquedos (boneca para as meninas e carrinho para os meninos), a cor das roupas e como deverá se comportar. Todos já nascem “cirurgiados”. Se sair da caixinha será considerado doente, marginal ou invisível, sofrendo o estigma, a vergonha e a discriminação.
O gênero é uma invenção social, que muda com a cultura e o tempo. O corpo é plástico, podemos tatuá-lo, colocar piercings, próteses e hormonizá-lo para ficar segundo a nossa autoimagem. Não é na genitália que está a definição do nosso gênero. Assim como Simone de Beauvoir já afirmava em 1949 que “ninguém nasce mulher, torna-se”, a máxima também é válida para os homens. Há aqueles que perdem o pênis por acidente ou necrose e nem por isso deixam de ser homens, embora a nossa cultura seja falocêntrica, dando poder e autoridade ao pênis. O filme A pele que habito, de Pedro Almodóvar, retrata a história de um homem forçado a fazer cirurgia. Transformam-no em mulher, com vagina e aparência feminina, mas ele continua com identidade masculina. Portanto, também não é uma vagina que faz uma mulher.
É necessário repensarmos essa heteronormatividade fundamentada no modelo de família heterossexual, que elimina outros núcleos familiares como os casais formados por duas mulheres ou dois homens. Essa visão obriga-nos a ter uma heterossexualidade compulsória, ou seja, só se pode amar e ter relações sexuais com o sexo oposto. São formas de poder que perpassam espaços domésticos, políticas públicas e instituições que nos vigiam e nos controlam. Nossa sociedade continua calada diante dos homicídios diários, com requintes de crueldade, cometidos em nome dessas normas. Nenhuma lei foi aprovada até agora para punir atitudes homofóbicas e transfóbicas. Mais do que lutar por ter direitos iguais é fundamental ter iguais direitos sendo diferente.
*JOÃO W. NERY é escritor, autor dos livros Viagem solitária – memórias de um transexual 30 anos depois (Editora Leya) e Erro de pessoa – Joana ou João (Editora Record).

18 setembro 2012

Transhomens – o direito de ser diferente

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Transhomens – o direito de ser diferente
Publicado em: 27/08/2012 12:54:00
Transhomens – o direito de ser diferente João W. Nery
Segundo o que foi veiculado na mídia, sou o primeiro transhomem operado no Brasil: em 1977, em plena ditadura, quando as cirurgias ainda não eram permitidas pelo SUS, fiz as operações para readequar meu corpo, nascido biologicamente feminino, à minha identidade masculina.
Hoje estou com 62 anos e escrevi um livro autobiográfico, “Viagem Solitária – Memórias de um transexual 30 anos depois” (2011, Editora Leya), onde narro todo o trajeto da minha sexualidade, desde a infância até os dias atuais.
A última parte do livro é sobre a grata experiência de viver a paternidade (não biológica). Hoje, meu filho tem 25 anos, é engenheiro e heterossexual. O livro já ganhou dois prêmios e transcende a questão da transexualidade, falando de cidadania e direitos humanos.
A infância foi sofrida, mas consegui uma saída num mundo de faz de conta, através da fantasia. Durante um ano, na minha adolescência, pela pressão social e necessidade de aprovação, me “travesti” e tentei ser uma mulher. Arranjaram-me um namorado, mas nunca tive uma relação sexual com um homem. O meu desejo era de ter o corpo igual ao dele e não de me entregar a ele. Minha orientação sexual sempre foi hetero, no sentido de desejar as mulheres.
Desde os 22 anos eu já aparentava uma androginia e vivia uma dupla vida social, sendo homem para os desconhecidos e mulher no trabalho, amigos e família. Aos 27, consegui me operar clandestinamente, comecei a tomar hormônio (testosterona), mas não terminei as cirurgias. Como na época era impossível entrar na Justiça para uma mudança de nome e gênero, acabei tirando por minha conta um novo registro, com identidade masculina.
Com isso, perdi todo meu currículo escolar e profissional. Antes das cirurgias eu era formado em Psicologia, tinha consultório, dava aulas em três universidades e fazia mestrado. Como homem, virei um analfabeto, tendo que trabalhar como pedreiro, vendedor, pintor, massagista de shiatsu, enfim, em diversas profissões para poder subsistir, porém mais feliz e reconhecido.

O que continua sendo ainda o mais importante para @s “trans” (transhomens e transmulheres) é a questão da documentação, pois a cirurgia no Brasil não garante a automática mudança de identidade e gênero. É necessário que o interessado entre com um processo na Justiça, ficando à mercê do julgamento de algum juiz e de uma possível transfobia.

Acredito que seja o mundo patriarcal e sexista em que vivemos, o que faz com que as cirurgias se tornem obrigatórias e necessárias para diminuir o sofrimento do não enquadramento. Para isso, somos patologizados como doentes mentais, através da OMS, pelo DSM4, conhecida com o nome de “transtorno de identidade de gênero”.

Daí ser necessário um laudo psiquiátrico (sem critérios etiológicos), atestando que o indivíduo é um transexual “verdadeiro”. Exige que ele seja tenha 21 anos, se submeta durante dois anos a uma equipe interdisciplinar, para só então fazer a primeira cirurgia, que, no caso dos transhomens, é a “mamoplastia masculina”; a segunda é a “histerectomia” (= retirada dos órgãos reprodutores internos); a maioria para nesta etapa e não faz a “neofaloplastia”, ainda considerada experimental (mas só para os transexuais). Recentemente, tem sido utilizada mais uma nova técnica, a “metoidioplastia” (= soltura do clitóris, que já está aumentado pelo hormônio e com feitura do saco escrotal).

Os problemas emocionais que os transexuais apresentam são muito mais decorrentes da transfobia que sofrem do que da transexualidade em si. Não temos nenhuma autonomia para decidirmos o que queremos ser. Temos que representar, para acertarmos o “diagnóstico” que o terapeuta imagina ser um transtornado de gênero. E, apesar de ver a “cura” nas cirurgias, só nos oferecem quatro sedes do SUS no Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Goiânia). Acumulam-se filas enormes, sem dar assistência total, como financiar hormônios, próteses e eletrólises. Funcionam com equipes incompletas e também não atendem às travestis, obrigando-as ao mortífero silicone industrial.

De certa forma, já nascemos todos cirurgiados, desde quando nossos pais descobrem com qual corpo chegaremos ao mundo. A partir daí, o nome, roupas, brinquedos e condutas, terão que se submeter aos ditames do mundo da heterossexualidade compulsória. E assim, ao longo da vida, vamos passando por várias caixas: do útero, da família, da escola, do trabalho até o caixão. E se ousarmos sair delas, pagaremos o preço de sermos inferiores, abjetos ou mesmo invisíveis enquanto humanos, como é o caso dos “trans” e dos “intersexos” (= hermafroditas). Ponderamos, hoje, se é um pênis que faz um homem ou uma vagina que faz uma mulher (ver a situação do filme “A Pele que Habito” do cineasta Pedro Almodóvar).
Aliás, já em 1949, Simone de Beauvoir afirmava: “ninguém nasce mulher, torna-se mulher e Judith Butler completa em 1990, sugerindo que “mulher” é algo que “fazemos” mais do que algo que “somos”, é um processo que não tem origem nem fim. Sexo, gênero e sexualidade são construtos sociais, mas naturalizados por um olhar poluído de valores construídos social e historicamente.
Desde algumas décadas que o movimento “queer”, vem corroborar esta visão, onde as pessoas não querem se definir nem como homens nem como mulheres. O processo da formação das identidades sexuadas/”generificadas”/racializadas são construídas para nós e, em certa medida, por nós no interior das estruturas de poder existentes.
A própria concepção binarista “homem X mulher” foi construída a partir de meados do século XVIII. Até então, a mulher era considerada o avesso do homem, quer dizer, tendo o mesmo corpo que ele, apenas com os órgãos sexuais internalizados. Só depois é que inventam o dimorfismo, evidenciando cada vez mais a diferença entre os corpos-sexos, com propósitos sociais, econômicos e políticos, reafirmando o papel da mulher como reprodutora e pertencente ao domínio do privado e, desde sempre, inferior ao homem.

A hegemonia é resultado da cumplicidade dos dominados com os valores que os subalternizam. Por isso atentemos para o nosso comprometimento submetido a um poder, que não está só na esfera do Estado, mas em todas as instituições disciplinadoras e até mesmo dentro dos lares e de nós mesmos – que sofremos seu efeito e ao mesmo tempo, somos seu transmissor.
O poder cria normas e nos habitua a ver a diferença como algo que distingue as pessoas por categorias, em uma ordem hierárquica pré-definida. E o “diferente” está sempre aquém nesta escala. Mas é ele que tem o potencial para fragmentar, denunciar e mesmo transformar esta ordem hegemônica, na medida em que faz o Outro se descobrir como uma parte do diverso. É a anormalidade que vai patentear o reconhecimento do “normal”.
Mais que a necessidade do reconhecimento por direitos iguais, precisamos respeitar o direito de sermos diferentes, diversos.
Tatiana Lei
GRUPO SAMPA LGB
2/9/2012
12:24h
Queremos traze - lo para um bate papo, como podemos fazer isso? Somos do Grupo Sampa LGBT ( http://10ponto948.blogspot.com) e gostaríamos de conhecê -lo. abraços e Parabéns pela sua força!
Gabriel Teixeira
SJCDH do Estado da Bahia
31/8/2012
23:50h
Prezado Colega João Aqui uso colega expressando o meu respeito a sua formação qual PSICÓLOGO, isto é percebido no teu texto, pelo domínio que você apresenta ao falar de questões subjetivas e na condução de tais questões. Muito bom ter referências como as tuas, sobretudo para nós que atuamos com políticas públicas em Direitos Humanos. Parabéns pelo seu bom ânimo e por sua contribuição para a psicologia.
CLÁUDIA ONAIZER KIKI THEODORO
DONA DE CASA
29/8/2012
18:46h
QUERIDO JOÃO, SEMPRE LÚCIDO E COERENTE COM O QUE DIZ, DEUS SEMPRE ESCREVE CERTO POR LINHAS TORTAS... SABER QUE VOCÊ EXISTE DÁ-ME FORÇAS PARA CONTINUAR, E UMA SENSAÇÃO ESTRANHA E BENÉFICA DE ACONCHEGO E PROTEÇÃO. DE FATO, A DOCUMENTAÇÃO É O MAIS IMPORTANTE PARA O TRANSEXUAL:CONSEGUIR VENCER ESSA BARREIRA É PODER ALÇAR VOOS MAIS LONGOS, QUASE EM PAZ! CLÁUDIA - RIO DE JANEIRO.
Ligiana Costa
27/8/2012
23:40h
Incrível seu percurso e sua lucidez! Vou atras do livro! abraços do Causa (http://causasp.blogspot.com.br/) !!

17 setembro 2012

João W. Nery por ele mesmo - O babado é Certo

Compartilhar Depois de 34 anos da cirurgia, me tornei um transhomem feminino, no sentido do que está palavra pode trazer de tudo de sensível e belo da nossa cultura. Mais que um anti-machista, continuo me permitindo o que muitos homens hetero ainda não conseguem.





Aos 37 anos me torno pai não biológico da gravidez da minha mulher. Experiência única e que hoje me sinto extremamente gratificado. Tenho um filho de 24 anos que acaba de se formar engenheiro e que optou por ser hetero. Aos 13 anos contei-lhe a minha história e hoje não temos mais segredos. Somos amigos e confidentes.

Casei 4 vezes em relacionamentos apaixonados e duradouros. Hoje estou a 15 anos com a mesma mulher, numa relação madura e companheira.

Quando eu nasci em 1950 é que foi criado o termo transexualismo, desconhecido no Brasil. Também não me sentia um homossexual e sabia que não era um caso de intersexo. Vivi por quase 10 anos uma dupla identidade social, Era mulher na família, na faculdade e trabalho e homem com os desconhecidos.

Hoje, como transexual masculino ou transhomem sou pela DSM  IV (Manual Diagnóstico e Estatístico das Desordens Mentais) um desordenado na minha identidade de gênero. A Medicina me considera um doente mental, cuja cura não está na terapia (já que esta é comprovadamente inoperante para os trans) mas no físico, na cirurgia transgenital. Desconhecem que há trans que não querem se operar ou que se tornaram trans-homo, trans-bi, etc.









Não terminei as cirurgias de redesignação sexual, como faz a maioria, por serem ainda terem um resultado muito precário. A partir de 1997 tornaram-se legais e gratuitas pelo SUS, mas para F to M (fêmea para macho) são ainda consideradas “experimentais”.

Hoje aos 61 anos me tornei um cara tranqüilo e aprendi a me bastar com o que tenho. E satisfeito comigo Continuo uma cobaia da ciência, na medida que entro na menopausa aos 27 anos e em vez de estrogênio, tomo testosterona. Nenhum médico pode me afiançar o que acontecerá comigo. Não há ainda tempo hábil para uma avaliação estatística, Só sabem que a testosterona me evita a osteoporose e aumenta meu colesterol e só desconfiam que ela possa ser a responsável pelo reumatismo sistêmico que me toma. Brinco, dizendo que economizei cirurgias para gastá-las agora na velhice. Botei 3 próteses (uma na coluna e duas no quadril, o que me rendeu, 20 dias depois, também um infarto em setembro último).

Enfrento agora este segundo inimigo, a que todos nós estamos sujeitos: a velhice, que prá mim novamente, torna meu corpo um obstáculo em vez de um instrumento do desejo, mas com o consolo que ainda estou vivo.

Resolvi escrever então um livro autobiográfico - “Viagem Solitária”, Ed. Leya,  não só para descurtinar o que é o desencontro da identidade sexual com a anatonia corporal, como para desmistificar alguns valores que a nossa cultura coloca como categóricos, quase “naturais”. E para ter crédito, resolvi sair do “armário”.


socorridos se só há “patinhos” e “comadres”?
Mostrar a cara na mídia
Não tenho mais dúvidas de que ser “homem” não é ter um pênis ou mais que isso, não é ter uma configuração masculina, o mesmo valendo para a “mulher”. Sexo e gênero são coisas bem distintas, quase mesmo “imaginários” sociais.

Minha luta hoje é contra o heterocentrismo, esse binarismo onde só existe homem e mulher. Muitos ainda não querem ver a multiplicidade de corpos, de transidentidades sexuais, quase infinitas, que existem. Seríamos os “queer”,os “híbridos”, os trangêneros, que transcedem os valores e esquemas padronizados dentro de rótulos hoje aceitos. E por sermos múltiplos, enriquecemos e ameaçamos às sociedades patriarcais, pautadas nos  cisgêneros (do latim cis = do mesmo lado) aqueles cuja identidade de gênero está em consonância com o gênero que lhe foi atribuído ao nascer, os ditos normais - os heterossexuais.

A luta tem que continuar e avançamos lentamente, mas ainda falta muito para conserguirmos pelo menos a  aprovação do PLS 612/11, que está em tramitação na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), que altera o Código Civil e modifica interpretações que impedem a transformação da união estável em casamento. 





http://obabadoecerto.gay1.com.br/2011/10/joao-w-nery-por-ele-mesmo.html