27 junho 2013

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VIAGEM SOLITÁRIA - Livro de nosso companheiro do Irreligiosos, JOÃO W.NERY.

Estou lendo o livro VIAGEM SOLITÁRIA de nosso ilustre companheiro, JOÃO W.NERY. 
Deparei-me com um trecho de seu livro onde ele relata sua tentativa de ser mulher em sua adolescência e o reencontro, 30 anos depois, com o ex-namorado.
No seu livro ele nos relata com fidelidade, desde sua mais tenra infância até a sua maturidade, os sentimentos e as dificuldades porque passou em razão  de ter um corpo de mulher e o sentir-se homem na realidade, numa sociedade extremamente machista.
Esses relatos nos faz refletir , muito sobre o assunto o que poderá nos ajudar, no futuro, a derrubar preconceitos , usando da empatia em casos semelhantes, detentores das lições que esse livro nos oferece. Em nosso meio no Irreligiosos, com apenas algumas centenas de participantes, quantos não vivem esse drama entre seus parentes? Sempre tem alguém...
Pedi autorização, que me foi concedida, para postar um trecho do seu livro, o que faço a seguir:
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Aos 16 anos, arranjaram-me um namorado. Foi uma combinação , sem que eu soubesse, entre Leila e um amigo do rapaz. Conhecia-o dos concertos de música clássica do Theatro Municipal e da sala Cecília Meireles. Era gordo, meio careca e muito simpático.Um baiano de 25 anos, cultura relativa e sensibilidade apurada. Saímos algumas vezes. O meu papel de namorada era sui generis, Felizmente não ostentava nenhuma espécie de machismo, o que me seria impossível suportar. Gostava de mim, do meu jeito despachado, sem me exigir muitos papéis, possibilitando que permanecêssemos juntos por um mês, até que resolveu me beijar.
Dizem que as pessoas tendem a esquecer os traumas por defesa do ego. Creio que os preservei ao máximo na memória, a fim de evitar que outros se repetissem.
Estávamos conversando num banco de bonde, abandonado na areia da lagoa Rodrigo de Freitas. Inesperadamente parou de falar. Ficou sério e engoliu minha boca. Que sensação horrível! Senti repugnância e um sufoco intenso. Afastei-o bruscamente. O insuportável não era somente o fato de ser um homem, o que tornava  tudo mais difícil , mas o de não haver nenhuma atração física ou afetiva  mais profunda entre nós. O jovem fez tudo para continuarmos, mas a impraticabilidade de nosso namoro era patente.
Durante a transação, a família exultou Davam-me todas as regalias. Não cobravam hora para chegar, nem satisfação para onde tinha ido. Ficaram desiludidos ao saber que tudo terminara.
Trinta anos depois me reencontrei com ele numa festa. Eu agora careca e barbado, e ele, apenas mais gordo e envelhecido. Estava desacompanhado. Tinha certeza de que não me reconheceria e, portanto, estava numa situação única: de poder saber do meu passado enquanto Joana, sem ser ela que falava. Não resisti e sentei-me ao seu lado. Dei a entender que já nos conhecíamos e que era muito amigo da Joana. Perguntei da relação dos dois. Falou-me que eu era um garota simpática, extrovertida e muito legal. Chegou mesmo a dizer que se apaixonara por mim! Ficou curioso  por tantas perguntas e por conhecer tantos detalhes íntimos de sua relação com Joana. Levantei-me e fui beber mais umas doses, guardando o desfecho para o fim da festa. Pouco antes de me retirar, fui procurá-lo . Dessa vez, determinado a contar-lhe a verdade. Trocamos mais algumas ideias, até que lhe pedi:
  - Olhe bem para os meus olhos. Tem certeza de que não se lembra de mim?
     Titubeou
  - Tem algo de familiar, mas não consigo me lembrar.
Diante dessa resposta disparei:
  - Faz 30 anos que não nos vemos. Depois disso sofri várias cirurgias. Dei uma guinada     de 180° e agora sou um homem. Eu era a Joana.
  - Engasgou-se com a bebida. Começou a tossir, ficando rubro. Bati nas suas costas para voltar a respirar direito. Ficou calado me olhando e com uma respiração ofegante. Finalmente falou: 
  - Joana! - aproximou-se mais dos meus olhos. - É, agora estou te reconhecendo... Você mudou muito...
    Levantei-me e me despedi, deixando-o pensativo.
    O recado estava dado.
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E ainda não acabei de ler o livro, a vivência com pessoas ilustres tais como Darcy Ribeiro, que foi Ministro da Casa Civil do governo de João Goulart, e foi reitor da Universidade de Brasília e mais tarde, como vice no governo Brizola no Rio de Janeiro, concebeu o Sambódromo e os CIEPS.
Recomendo a leitura desse livro, independentemente de ser nosso participante no irreligiosos, o João tem é história para nos contar.
Saudações.

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